UTI: uma porta para uma despedida

    Tempos atrás, quando um conhecido ou familiar era transferido para o CTI ou UTI todos ficavam alarmados e apavorados; os rumores, em cidades menores, era de que “ele estava nas últimas” ou “agora só falta o padre fazer a extrema-unção”.

    Hoje os tempos mudaram, novas tecnologias hospitalares, medicamentos mais eficientes, equipamentos médicos modernos e, com isso, os casos de UTI não são mais tão alarmantes. Passamos a confiar e acreditar muito mais que o enfermo sairá da UTI com boa saúde. As esperanças aumentaram comparando com a de tempos atrás.

     Mas quando o enfermo é um ente querido ou alguém muito próximo, por mais que tentemos acreditar que poderá haver uma melhora, a esperança diminui cada vez que entramos e saímos daquele local, uma sala com vários boxes e várias pessoas internadas. Temos alguns minutos para olharmos e tentarmos conversar com a pessoa querida; porém, quando passamos a ver que não há melhoras, os minutos tornam-se horas ao tentar conter o choro agudo que ecoa dentro de nós, afinal não podemos deixar transparecer, para nosso ente querido, que o final está chegando.

     A sala de espera da UTI é um local onde todos os dias, por duas ou três vezes, várias famílias passam a se conhecer, trocam suas histórias, seus lamentos e medos. Viramos uma grande família, uma torcendo pela melhora do familiar alheio; e isso é muito mágico, pois demonstra como o ser humano, no momento da dor, torna-se tão companheiro, compreensível e prestativo. Mas a tristeza chega a invadir vários corações quando, em um dos horários marcados, uma das famílias não está mais presente, primeiro ficamos com aquela esperança de que ele, enfermo, teve alta da UTI; mas logo morrem nossas esperanças quando descobrimos que ele descansou para sempre durante a madrugada ou ao amanhecer. Nesse momento choramos pela família, mas no fundo também estamos chorando por nós, pois nosso choro tenta disfarçar o pavor e o medo de sermos a próxima família a não estar mais presente, no dia seguinte, naquela sala de espera.

     Recentemente, passei duas longas semanas visitando meu avô materno, Geraldo Martins Vargas, na UTI de um hospital. Todos os dias, às 8 e às 21 horas, nossa família estava ali, naquela sala de espera, decidindo quem iria vê-lo. Fui agraciada de poder entrar muitas vezes na UTI e cada minuto era mágico; durante vários dias entrávamos e saíamos com grande esperança, pois, afinal, estar na UTI é melhor do que estar em casa ou em um quarto do hospital, pois são tantos médicos e enfermeiros com uma disposição imensa para tentar aplacar o sofrimento do doente e lhe devolver a saúde, que ficamos admirados como existem pessoas tão boas assim, como anjos de Deus. É difícil pensar como os médicos e enfermeiros conseguem voltar para casa e dormir, lembrando de cada caso crítico e melancólico. São pessoas admiráveis e que merecem não somente nosso respeito, mas nosso agradecimento. Mas nunca nossa revolta por um ente querido ter partido dessa vida, pois o que poderia ser feito esses anjos de Deus fizeram.

      Nos primeiros dias, quando meu avô pronunciava meu nome e de meus familiares, nos dava sua bênção e perguntava por todos os conhecidos, a esperança inflava nossos corações. Após alguns dias internado ele foi isolado dos demais, em uma sala de vidro e com porta, ficamos loucos ao ver aquilo, pensamos que era o final... Mas logo os enfermeiros nos contaram sorrindo que ele estava bem, o problema é que, como na UTI fica claro o dia todo, os doentes não sabem distinguir o dia da noite e meu avô, tentando convencer o corpo clínico a deixá-lo ir para casa, começou a cantar para agradá-los, mas cantava dia e noite, atrapalhando assim quem estava muito doente e precisava de silêncio. Disse meu avô aos enfermeiros que também estava treinando uma música para cantar quando minha avó chegasse para visitá-lo. Durante essas duas semanas, ele cantou para ela, segurava sua mão, olhava em seus olhos e dizia que foram 66 anos de alegria ao lado dela e cantava: “Não chores minha querida senão eu choro também”... “O que tem a rosa tão desfolhada foi o sereno da madrugada... Adeus, adeus, coração mimoso, delicadeza e rosto formoso”...

     Nunca chorei tanto ao ver um amor assim, meu avô com seus 91 anos, no leito da morte e ainda proferindo palavras de amor.

     A UTI é uma porta de esperança para muitos, mas também, uma porta que nos prepara para uma despedida. Por isso, não importa como esteja seu ente querido, consciente ou não, diga tudo que ele gostaria de ouvir, e, se for preciso, minta que aquele filho ausente está ali na sala de espera; que aquele parente que faleceu dias atrás em algum acidente está vivo; conte que seu time de futebol ganhou, mesmo tendo perdido; diga o que for preciso para que as últimas palavras que ele ouvirá e levará consigo sejam um alento para o seu coração e uma música para os seus ouvidos.